Rótulos de cosméticos
Como interpretar?
Durante muitos anos abstive-me de ler a lista de ingredientes dos produtos que consumia.
Os nomes não me faziam sentido, e quando conseguia identificar, milagrosamente, algum ingrediente, não percebia exactamente qual a sua função e quantidade presente no cosmético.
Mais facilmente conseguiria ser a intermediária num possível contacto entre terráqueos e extraterrestres, ou decifrar hieróglifos do antigo Egipto, do que perceber o que continha o creme que tinha acabado de esfregar no corpo.
Depressa me rendia à frustração, e confiava simplesmente que quem tinha formulado o produto, tinha os meus melhores interesses como consumidora, e os do planeta, em mente.
Infelizmente, na indústria cosmética, como em muitas outras, nem sempre tal se verifica.
Actualmente, existem milhares de ingredientes, é impossível sabê-los todos, mas procuro conhecer o máximo possível e comprovar por mim mesma, que o cosmético que tenho em mãos alinha-se com os meus valores.
Mais do que nunca, a informação é poder. Podemos não vir a saber tudo mas podemos tentar saber o máximo possível 🙂
Este guia foi escrito com esse objectivo em mente!
Queremos dar-te algumas ferramentas que te ajudem no futuro a desconstruir os rótulos e a fazeres conscientemente as escolhas que consideras mais adequadas para ti.
Pega num cosmético que tenhas à mão e enquanto lês este guia, desbrava caminho por entre a lista de ingredientes.
Vamos a isso?
Os Rótulos
Quem é que determina as regras para escrever os rótulos de um produto cosmético?
Todas as regras para a comercialização de produtos cosméticos na Europa são impostas pela União Europeia e vêm descritas no Regulamento Europeu Nº 1223/2009.
As directrizes para listar os ingredientes nos rótulos são também abordadas neste regulamento. E é nele que nos vamos basear para escrever este artigo.
Um rótulo que não cumpra estas directrizes é um indício de que o produto cosmético que o contém não está devidamente legalizado e que poderá não ser seguro.
Que informações têm obrigatoriamente de estar presentes nos rótulos?
Nome e morada da pessoa ou entidade responsável pelo produto
Se for um produto importado, o país de origem deve ser indicado;
O conteúdo total, em peso ou volume, do cosmético em questão
Excepções: cosméticos contendo menos de cinco gramas ou cinco mililitros de produto, amostras grátis e embalagens unidose;
Data de durabilidade mínima do produto
Conservação em condições apropriadas, expressa em mês/ano ou dia/mês/ano, e representado pelo símbolo em forma de ampulheta (figura 1 b).
Excepções: cosméticos cuja durabilidade mínima é superior a 30 meses, devendo estes apresentar apenas o tempo após abertura do recipiente (PAO- Period After Opening) em que o produto pode ser usado em segurança, juntamente com o símbolo de PAO (figura 1a);
Precauções especiais a ter em conta durante o uso do produto
Número do lote de fabrico
A função do cosmético
A lista de ingredientes
Símbolos associados às datas de validade dos produtos cosméticos na União Europeia. a) Period After Opening. b) Ampulheta.
A Lista de ingredientes
Vamos começar pelo início: o que é um produto cosmético?
Um produto cosmético é qualquer substância ou mistura destinada a ser posta em contacto com as partes externas do corpo humano, ou com os dentes e mucosa da cavidade oral, com o objectivo de limpá-los, perfumá-los, mudar a sua aparência, protegê-los, mantê-los em bom estado e corrigir odores corporais.
E o que é um ingrediente?
Segundo o Regulamento Europeu, um ingrediente é qualquer substância ou mistura usada intencionalmente nos produtos cosméticos durante o processo de fabrico.
Porque é que temos tanta dificuldade em reconhecer os ingredientes listados nos rótulos?
Os nomes usados para identificar cada ingrediente não são os nomes comuns, aqueles que nós usamos normalmente, e é isso que pode gerar alguma confusão ao consumidor.
Todos os ingredientes devem vir listados nos rótulos segundo a Nomenclatura Internacional de Ingredientes de Cosméticos (INCI).
O objectivo é uniformizar a denominação de cada ingrediente de forma a que sejam reconhecidos em qualquer país e em qualquer idioma.
Vejamos, por exemplo, o óleo de rícino:
Nome comum em Português
Óleo de Rícino
Nome Comum em Inglês
Castor Oil
INCI
Ricinus communis seed oil
INCI
Os materiais derivados de plantas são conhecidos como extractos botânicos. O nome usado é o nome latino do género e da espécie da planta em questão, bem como a parte da planta de onde foi obtido o extracto. Por exemplo: Sesamum indicum Seed Oil (óleo de sementes de sésamo).
O idioma utilizado é o Inglês. Por exemplo, sodium bicarbonate (bicarbonato de sódio) ou ascorbic acid (ácido ascórbico).
Os sabões sofrem o processo de saponificação, derivado da junção de água e hidróxido de sódio aos óleos vegetais.
Ora, no final do processo de saponificação, o hidróxido de sódio já não está presente no sabonete. Da mesma forma que esta alteração ocorre, também os óleos são submetidos a este processo. Logo, o nome com que os óleos devem ser identificados quando estão envolvidos no processo de saponificação tem de ser diferente do nome com que são identificados noutra formulação.
Por exemplo, o INCI do azeite é Olea Europaea Oil, excepto na formulação do sabonete, em que passa a ser Sodium Olivate.
Os pigmentos usados na coloração dos cosméticos (não incluindo os pigmentos para colorar o cabelo) podem ser enumerados em ordem aleatória após os restantes ingredientes presentes no cosmético. A nomenclatura CI (colour index) deve ser utilizada para identificar estas substâncias.
Por exemplo, o pigmento beta-caroteno vem identificado pelo número CI 40800.
Todos os ingredientes usados na forma de nanomateriais devem estar devidamente identificados na lista de ingredientes, do seguinte modo:
nome do ingrediente seguido da palavra nano entre parenteses rectos. Por exemplo, titanium dioxide [nano].
As substâncias destinadas a perfumar o produto apenas devem ser referidas pelo termo “parfum” ou “aroma”, não havendo necessidade de especificar qual a composição exacta dos compostos aromáticos. No entanto, a presença de determinadas substâncias que estejam listadas no anexo III do Regulamento Europeu Nº 1223/2009, normalmente consideradas alérgenos, exige que sejam incluídas na lista de ingredientes.
Por exemplo, substâncias encontradas em óleos essenciais como o limonene, o citronellol ou o linalool, devem sempre vir especificadas na lista de ingredientes.
Como é que está estruturada a lista de ingredientes?
Agora que já percebemos o porquê da nomenclatura INCI, vamos ver quais os ingredientes que tomam o lugar de destaque nos produtos que aplicas no teu corpo.
Aquele ingrediente que foi publicitado como sendo a estrela do produto, será que o é mesmo?
É fácil tirarmos as dúvidas porque existem regras que padronizam a ordem com que os ingredientes são listados:
Os ingredientes devem ser enumerados por ordem descendente do seu peso no momento em que são adicionados ao produto.
Ou seja, os primeiros ingredientes do rótulo são aqueles que estão presentes em maior quantidade no cosmético.
Os ingredientes presentes em concentrações inferiores a 1% podem ser listados aleatoriamente sempre após os ingredientes de concentrações superiores a 1%.
Últimos ingredientes da lista
A partir do 1% de concentração, os ingredientes já não precisam de ser enumerados por ordem.
Olhando para os rótulos das embalagens dos cosméticos, sabemos que estes ingredientes têm de estar no fim da lista, no entanto, nada nos diz em que ponto eles começam.
Para sabermos isso, é preciso termos algum conhecimento dos ingredientes em si e do processo de formulação cosmética.
Em geral, podem ocorrer duas situações:
No limiar da concentração de 1%, encontram-se listados nos rótulos os ingredientes cuja dosagem recomendada é igual ou inferior a esse valor: 1%!
Portanto, estarem no fim da lista nem sempre quer dizer que estejamos a pagar por um produto em que foram “poupados custos” no uso desses ingredientes. Na verdade, eles foram adicionados tendo em mente a gama de dose segura para a sua administração 🙂
Dentro desta categoria, podemos ter, por vezes, como exemplos:
- Os conservantes do produto
- A fragância
- As vitaminas, como a vitamina E (ou tocoferol)
- Determinados ingredientes activos como o ácido hyalurónico
- Os ajustadores do pH (como o ácido cítrico ou o hidróxido de sódio)
No entanto, esta justificação nem sempre se aplica para todos os ingredientes listados em baixas concentrações.
Lembro-me de, há uns bons anos atrás, me ter interessado por um shampoo em que o ingrediente estrela era publicitado como sendo a manteiga de karité. Curiosa, dirigi-me à prateleira dos cuidados de cabelo do supermercado e agarrei na embalagem, pronta a render-me a esta ideia que me tinha sido publicitada. Tive a curiosidade de olhar para a lista de ingredientes antes de comprar o produto e, para meu espanto, a manteiga de karité vinha listada como penúltimo ou último ingrediente da lista.
Alegações
Os ingredientes referidos no nº2, inserem-se na categoria de claims (alegações) ou marketing.
São produtos que são adicionados em pequenas quantidades, de forma a estarem presentes na lista de ingredientes, e ajudarem a vender o produto. São estes ingredientes que contam a história publicitária do produto e que agarram a atenção do consumidor.
No entanto, acabam por não ter grande impacto na performance do cosmético em si. [1]
O objectivo das alegações é informar os consumidores sobre as características e as qualidades dos produtos, para poderem diferenciá-los. Devem ser objectivas e não devem depreciar os concorrentes, nem os ingredientes utilizados de forma legal.
Qualquer alegação sobre a segurança e eficácia de um determinado produto cosmético deve ser devidamente fundamentada, tendo provas que a sustentem. Infelizmente, é muito frequente encontrar alegações enganosas ou não fundamentadas nos cosméticos.
Quando o produto é publicitado como “milagroso”, devemos procurar mais informações como as propriedades dos ingredientes que contém, se as quantidades utilizadas desses ingredientes são adequadas e quais os fundamentos que conduzem a essa alegação. Normalmente é de duvidar!
Quais as substâncias misteriosas identificadas sob o termo “Parfum”?
Como dissemos anteriormente, as substâncias presentes no cosmético com a função de o perfumar, não precisam de ser especificadas, sendo denominadas apenas pelo termo “parfum”. Sejam ingredientes sintéticos ou naturais, o termo usado é simplesmente “parfum”. Bem, isto é muito ambíguo… E deixa um grande vazio no nosso conhecimento do cosmético que estamos a aplicar na nossa pele ou cabelo.
Sabias que existem mais de 2500 ingredientes usados para perfumar cosméticos e produtos de limpeza da casa? E sabias que destes 2500, 127 foram identificados como alérgenos de contacto em humanos e restantes animais?
Portanto, o parfum que vês presente na lista de ingredientes de determinado cosmético, pode não corresponder só a uma ou duas substâncias, mas sim a uma mistura de dezenas de substâncias, possivelmente indutoras de alergias.
Mas nem tudo é mau! O facto de os fabricantes de produtos cosméticos terem obrigatoriamente de identificar na lista de ingredientes as substâncias que potencialmente podem causar reacções alérgicas, já é um ponto positivo. No entanto, seria melhor para os consumidores se todas as substâncias usadas para perfumar os cosméticos viessem discriminadas no rótulo.
Sabias que…
Na Miristica, utilizamos apenas ingredientes naturais para perfumar os nossos cosméticos? É verdade, e são eles os óleos essenciais! Portanto, quando vires nos rótulos dos nossos produtos o termo “parfum”, já sabes que nos estamos a referir a estes óleos 😊
Qual a necessidade dos conservantes nos produtos cosméticos? Não estaríamos melhor sem eles?
Esta última questão, muito badalada actualmente, necessita apenas de uma palavra de resposta: não. Não, não estaríamos melhor sem conservantes e sim, eles são imprescindíveis em determinadas formulações cosméticas.
Como nós sabemos, a água origina vida. Este facto transpõe-se para a formulação cosmética. Todos os cosméticos que contêm água ou produtos aquosos na sua formulação, ou que vão estar em contacto com água (por exemplo, pastas de dentes), estão susceptíveis ao aparecimento de bicharada não desejada, como fungos e bactérias. Portanto a regra é simples: se um cosmético contém água ou ingredientes aquosos na sua constituição, ou vai entrar em contacto com água, a presença de um ou mais conservantes é obrigatória!
No entanto, nem todos os cosméticos necessitam de um conservante. Se o produto for anidro, ou seja, não possui água na sua formulação, e não vai estar em contacto com água, então you’re good to go! Não precisas de procurar pelo conservante no rótulo.
Entre estes produtos, estão, por exemplo, os bálsamos! Como são formulados apenas com óleos, manteigas e ceras não corremos o risco de em dias termos uma cultura bacteriana (ou várias) a apoderar-se do nosso batom hidratante.
Se continuas reticente, deixa-me acrescentar que existem inúmeros conservantes sintéticos e naturais comprovadamente seguros para nós e para o ambiente. O crescimento de bactérias e fungos nos nossos cosméticos é um grande risco para a nossa saúde e pode causar-nos graves problemas, caso estes microrganismos entrem em contacto com o nosso corpo.
Vamos analisar um rótulo?
Vamos tomar como exemplo a lista de ingredientes do nosso Creme Facial Ayurvédico Anti-rugas, para Pele Seca ou Madura, disponível na loja Miristica.
O ingrediente presente em maior quantidade é o Cistus ladaniferus Leaf/Stem Water, ou seja, a água de esteva.
Em segundo lugar, está o Sesamum indicum Seed Oil, mais conhecido por óleo de sésamo virgem.
Em terceiro lugar, vem o Rosa damascena Flower Water ou a água de rosas.
E assim sucessivamente, até chegarmos ao limiar do 1% de concentração.
Não sabemos onde começam as substâncias presentes em concentrações inferiores a 1%, mas podemos supor, depois da informação que retivemos até agora, que deve começar perto do parfum (perfume) ou do tocopherol (vitamina E).
O conservante usado neste creme vem descrito pelos termos Dehydroacetic Acid (and) Benzyl Alcohol e é um conservante 100% seguro e aprovado pelo Ecocert.
Cheat Sheet
Existem já inúmeros websites e aplicações destinadas a ajudarem-nos a descodificar os ingredientes presentes num cosmético.
Um exemplo disso é o INCIDecoder.
Neste website, podemos copiar e colar a lista de ingredientes do produto que temos em mãos e, após a análise, ele indica-nos o que é cada substância e qual a sua função!
Depois destas noções básicas, vamos começar a olhar para os rótulos com outros olhos 😊